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A partir de agora, expressar determinadas ideias, por exemplo, a de Galiza não ser Espanha, pode ser ilegal, e organizar um ato em memória de determinados mortos, ou levar cartazes com fotos de presos pode ser indício de terrorismo.

Saem da prisão os independentistas apresados na sexta passada e a operação Jaro revela-se, segundo se anunciava do começo, parte duma montagem mediática, visto que não há possibilidade de reter os perigosos terroristas para cuja detenção se montou um dispositivo policial tão intenso. Guarda civis encarapuçados a entrarem em domicílios particulares, aplicação das leis de isolamento, retenção de materiais pessoais como prova, viagem à audiência nacional pareciam suficientes para criar uma forte alarma social nuns dias feriados, mesmo se a notícia tinha que abrir-se passo entre a atividade pre-electoral e o caso Asunta.

Mas, durante o fim de semana, as redes sociais, o único termómetro não controlado, ardiam de declarações indicativas de que na sociedade galega não se percebia nenhum terror. Não é só que o estado não encontrasse finalmente delitos de sangue nem ações criminais atribuíveis aos detidos –apenas esse vago e desconcertante enaltecimento do terrorismo–, é que, ademais, se estava a reclamar a liberdade dos presos fora do seu círculo político. Isto é significativo: pessoas de diferentes ideologias, galegos e galegas, cidadãos, vizinhos, amizades, ou militantes de organizações diferentes de Causa Galiza, expressaram com contundência que não consideravam que existisse uma organização armada nem que estas pessoas fizessem parte dela. Conhecemos os militantes, temos caminhado com eles em manifestações ou conversado sobre o país. Podemos ter pontos de vista diferentes, podemos distar nos procedimentos ou nos objetivos, mas não nos causam terror.

As concentrações convocadas a toda pressa por Ceivar na sexta passada serviram para reunir gentes de diferentes siglas, ou sem siglas, que solicitávamos a liberdade dos nossos vizinhos, que testemunhávamos que estávamos lá para solicitarmos um correto trato na audiência nacional ou para nos solidarizarmos com eles e com as suas famílias e círculos íntimos. Porém, por muito que celebremos a sua liberdade, o assunto é preocupante. Culpa-se uma organização que até estes dias era um espaço político de ser o abraço armado de Resistência galega, algo em que ninguém nas ruas acredita. Pior ainda: ficam suspendidas as atividades de Causa Galiza durante um par de anos, o que é tanto como ilegalizar essa organização política sobre a base de acusações que não aparecem concretizadas. E o estado da suspeita ameaça todo o independentismo galego. A partir de agora, expressar determinadas ideias, por exemplo, a de Galiza não ser Espanha, pode ser ilegal, e organizar um ato em memória de determinados mortos, ou levar cartazes com fotos de presos pode ser indício de terrorismo. Antes de entrarmos em pânico, haveria que lembrar que figuras de tanto prestígio mundial como Gandhi ou Mandela protagonizaram ações subversivas contra estados que consideravam abusivos. Mas agora já não é possível, devemos entender, estar contra o estado e ser inocente. O pacto por Espanha que ameaçam com assinar vários partidos estatalistas pode fomentar este tipo de persecução ideológica e, à medida que o movimento independentista catalão dê passos efetivos, parece previsível que esta política do medo se incremente. Santiago e fecha Espanha!, sugerem esses partidos. Finalmente, entre as provas que se dão para ilegalizar Causa Galiza figuram algumas que afetam o conjunto do soberanismo galego: manter conversações com o BNG, ou ter participado no processo de constituição de Anova aparecem despudoradamente mencionados no procedimento. A audiência nacional desliza no seu informe estas frases aparentemente inócuas e a imprensa do estado já se encarregará de as difundir da maneira apropriada para que qualquer organização que emita postulados legíveis como independentistas pareça envolvida na suspeita. Perante esta situação, o medo pode multiplicar-se e deixar-nos sem possibilidade de atuação. Medo de pensar, medo de dizer o que se pensa. Medo de que se leia o que nem sequer foi dito. Ou, talvez, seja hora de expressar alto e claro a nossa solidariedade com as pessoas detidas, e independentemente de partilharmos ou não a sua ação política, lembrar que num estado de liberdades, ser independentista não pode ser considerado nunca um delito. Talvez seja hora, também, de as forças galegas formularem um pacto por Galiza. Para nos dar coragem. Para lutar contra o medo. Para saber o que realmente se passa.

Artigo de Teresa Moure publicado em Sermos Galiza

Terça feira, 03 de novembro do 2015